Lá estava ele, majestosamente vestido com o seu fato de penas pretas, e o bico atrevidamente amarelo, metendo conversa comigo debaixo do pessegueiro, enquanto catava pequenos bichinhos, para o seu repasto. Eu estava absolutamente deslumbrada com o seu porte, com a sua agilidade, ele O Melro ia-me dizendo: - Esta chuvinha, não me vinha nada a calhar! Tenho o ninho para terminar! Mas que remédio, é esperar que passe! - Eu ouvia-o em silêncio desejosa que aquele momento mágico não terminasse.
O Melro percebendo o meu espanto, começou a cantar aquela melodia única que só eles são capazes, como se me dissesse: - Esta criatura humana deve achar que está louca, agora ouve pássaros! - chilreou mais alto, como se soltasse uma gargalhada,.
Aquele canto fez-me voltar a trás e lembrar de um outro Melro, que para não ver os seu filhotes comidos pelo Padre Cura,( homem religioso , muito piedoso, cheio de moral, que andava sempre com a bíblia debaixo do braço e o terço na mão, mas não suportava o velhaco do Melro que se atrevia a fazer diminuir a colheita de trigo em alguns grãos para alimentar a sua prol de seis filhotes) resolveu num acto de absoluto desespero mata-los e matar-se também para estupefacção do bondoso Padre Cura! Lembrei-me então do fim do poema do Guerra Junqueiro: "...Há mais fé e há mais verdade, Há mais Deus com certeza, Nos cardos secos dum rochedo nu, Que nessa bíblia antiga...Ó Natureza, a única bíblia verdadeira és tu..."