sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Viagem


As sombras da noite surgiam de mansinho, como uma cortina diáfana na forma de delicada carícia, cobrindo o mar de dunas a perder de vista, que se prolongava muito para além da linha do horizonte. Amava com todas as fibras do seu ser aquela obra de arte da criação divina, esculpida pela mão do vento que mudava de forma e tamanho para embelezar todos os dias o altar sagrado da natureza.
Nessas noites em que miríade de estrelas enxameava a treva profunda, como pó de diamantes, espalhado sobre o negro manto do firmamento, sentia-se completamente dentro dele, do seu deserto, fundiam-se num só, estabelecendo um diálogo mudo feito de entendimento milenar.
Deixava-se ficar em silêncio, o medo que lhe eriçava a pele fazendo questionar tudo, desaparecia dando lugar à certeza, à confiança de que tudo é um todo, que faz parte do mesmo!
Deixava de lado a razão e a lógica, naquele seu mundo de afectos que ninguém entendia, mas que também não seriam explicados, pois que a loucura persistente passa a ser sabedoria.
Finalmente aceitou que uma parte de si era espantosamente livre, alimentava-se tão somente da beleza e simplicidade contida nas pequenas coisas, aceitou que essa metade de si estava a crescer, absorvendo a outra metade que a encolhia, que a fazia viajar na tristeza da inquietação de sentir a insatisfação constante.
Então ouviu a voz terna dizer-lhe: “ confiança… mais um pouco… olha para o lado e vê, tudo fará sentido!”
Acordou repentinamente, sentou-se na cama, sorriu, dizendo:
- Deus, que saudade daquele lugar!
E depois!?...
Depois… colocou na mochila umas peças de roupa, agarrou no caderno de viagens, saiu de casa sem fazer barulho, dando início à maior aventura da sua vida… a viagem ao encontro dela própria!