domingo, 25 de setembro de 2011

Momento de Êxtase

Por longo tempo admirou o céu escuro onde as estrelas brilhavam com intensidade, num bailado absolutamente divino, pintando o firmamento numa tela de rara beleza. Mar revolto batia na falésia, libertando um perfume que lhe embriagava os sentidos, levando a um estado de profundo êxtase, havia finalmente encontrado um lado seu até então desconhecido, olhou para o seu pequeno mundo interior, amou-o de uma forma absoluta e quase mágica.
Deixou-se ficar, de olhos fechados por alguns momentos, sentindo unicamente a beleza sedutora do som agreste do mar, como se ele, fosse um homem lindo, que a arrebatava por outras dimensões, tornando-a cúmplice de pequenos nadas que a maioria nem tinha consciência, ou sequer reparava. Naquele momento de entrega total, sentiu com emoção, a plenitude do amor, fundindo-se com a perfeição do todo. Podendo ser tocado e acariciado pelo próprio mar e estrelas.
Abriu os olhos com a certeza que aquele  momento de êxtase, também tinha sido vivido e sentido pelo universo, soube finalmente  que precisava de muito pouco para viver em harmonia, quando tudo passa a acontecer dentro de cada ser. Desejou ficar ali, mas ainda não tinha chegado o tempo, e mesmo que o tempo  demorasse, aprendera a esperar,  nada poderia mudar a certeza de tudo fazia parte do mesmo ciclo, sentiu-se profundamente grata, como a onda que cruza o oceano chegando delicadamente para adormecer na mais doce praia.
Agradável sossego. 

domingo, 18 de setembro de 2011

Memórias Pelo Fogo...

 O crepitar da madeira, o cheiro da lenha a arder. o fumo que por vezes traiçoeiramente se escapava para fora da chaminé sempre a encantara, por vezes fixava por longo tempo a chama tentando vislumbrar imagens produzidas por ela, quase todas abstractas mas de uma beleza rara, admirava o poder do fogo, significava  para ela a partilha, a família, o conhecimento, as tradições, os serões em casa dos avós à volta daquela fogueira tão especial acesa no lar da chaminé de pano na cozinha, onde o avô era a figura central, homem recto, integro, o verdadeiro patriarca, onde tudo era concebido do seu jeito e segundo a sua vontade, todas as grandes decisões dos seus filhos, genros, netos, filhas e netas (porque a ordem era esta, primeiros os homens e depois as mulheres) eram-lhe comunicadas e analisadas por ele, nada lhe fugia do control, todos o respeitavam e de certa forma o temiam, por ele ser tão austero.
Ela não, nunca tivera medo dele, amava-o acima de tudo, conseguia ler-lhe nos olhos negros o amor que ele tinha pelos seus, quando ninguém estava por perto, o avô deixava, a neta sentar-se no seu colo e depositar um beijo na sua face trigueira que cheirava sempre a alfazema, depois ele pegava na sua pequena mão, que desaparecia na sua, grande e calejada devido ao trabalho duro do campo, dizendo-lhe com um sorriso:-"Já chega minha neta, és a mais atrevida de toda a família!"- No seu leito de morte quando ela o visitava, reconhecia-a dizendo-lhe sempre "- A minha menina!"- Ela beijava-lhe a testa respondendo-lhe:-" O avô mais lindo do mundo!" - davam as mãos, ele tocava-lhe a face para a ver, há muito os seus olhos não enxergavam devido ao avanço da idade, tinha ultrapassado os noventa anos. Naqueles momentos ele recordava o passado e falava-lhe também de coisa que os olhos da alma lhe deixavam ver.
Despediram-se em paz e com muito amor, ele partiu, uma partida à muito desejada, vivera três longos anos preso numa cama, uma das provas mais difíceis, ele fora a primeira alma livre que conhecera, sempre vivera em comunhão com a natureza, sempre a respeitara, ensinou-lhe a reconhecer os sinais, a guiar-se pelo sol, a perceber pelo olfacto a chegada das primeiras chuvas, a distinguir as plantas, a respeitar a força dos elementos, a avaliar pelas luas o tempo das colheitas e quando as fêmeas iriam parir, porque até com ela, ele acertou nas nove luas a contar da data da fecundação.
A chuva! O seu avô amava a chuva, dizia-lhe que: -"Chuva  é vida, a água é uma preciosidade!" - saia para o campo com ela a acariciar lhe o corpo. Ainda hoje é  um mistério, o que faria o seu avô sozinho à chuva sabe Deus onde...
Na sua partida, ela a chuva prestou-lhe a derradeira homenagem!

sábado, 3 de setembro de 2011

Coisas Simples



A voz do vento fez-se ouvir forte, intenso, agreste, naquele seu jeito confiante de quem tem consciência do seu imenso poder, quebrando o silêncio quase ensurdecedor que pairava no ar, perguntando à brisa (que ao contrario dele era serena, calma, cheia de ternura) – “Acaso achas que alguma vez poderás chegar perto de mim, sem que eu te absorva até perderes a tua identidade e deixares de existir?” – Ela a brisa, com toda a sabedoria que tinha adquirido ao longo de milénios, por ter aprendido a saber esperar, por ganhar tempo observando e maravilhando-se de tudo o que por ela era acariciado, respondeu-lhe de mansinho. – “Pois não vês que eu e tu somos o princípio e a continuidade! Pois tu não vês que a nossa essência é a mesma! Repara bem, naquilo de que nós somos feitos, somos a mesma energia! Presta atenção, porque é sempre assim que se processa a nossa união, primeiro surjo eu de mansinho, quase imperceptível, vou me espreguiçando, caminhando ao acaso até que tu dás pela minha presença e acordas, cheio de vigor, vens ao meu encontro, olhas-me, segues-me por momentos e depois... depois, tomas conta de tudo, causando o que de mais belo o universo tem, a explosão de alegria e felicidade das nuvens em forma de chuva, para se dar o milagre da mágica renovação da vida.”
Ele, o vento olhou a brisa, sem nada dizer num entendimento sublime, deu-lhe a mão e seguiram novamente rumo ao que se repetia desde sempre, a união perfeita de todos os Elementos…