domingo, 18 de setembro de 2011

Memórias Pelo Fogo...

 O crepitar da madeira, o cheiro da lenha a arder. o fumo que por vezes traiçoeiramente se escapava para fora da chaminé sempre a encantara, por vezes fixava por longo tempo a chama tentando vislumbrar imagens produzidas por ela, quase todas abstractas mas de uma beleza rara, admirava o poder do fogo, significava  para ela a partilha, a família, o conhecimento, as tradições, os serões em casa dos avós à volta daquela fogueira tão especial acesa no lar da chaminé de pano na cozinha, onde o avô era a figura central, homem recto, integro, o verdadeiro patriarca, onde tudo era concebido do seu jeito e segundo a sua vontade, todas as grandes decisões dos seus filhos, genros, netos, filhas e netas (porque a ordem era esta, primeiros os homens e depois as mulheres) eram-lhe comunicadas e analisadas por ele, nada lhe fugia do control, todos o respeitavam e de certa forma o temiam, por ele ser tão austero.
Ela não, nunca tivera medo dele, amava-o acima de tudo, conseguia ler-lhe nos olhos negros o amor que ele tinha pelos seus, quando ninguém estava por perto, o avô deixava, a neta sentar-se no seu colo e depositar um beijo na sua face trigueira que cheirava sempre a alfazema, depois ele pegava na sua pequena mão, que desaparecia na sua, grande e calejada devido ao trabalho duro do campo, dizendo-lhe com um sorriso:-"Já chega minha neta, és a mais atrevida de toda a família!"- No seu leito de morte quando ela o visitava, reconhecia-a dizendo-lhe sempre "- A minha menina!"- Ela beijava-lhe a testa respondendo-lhe:-" O avô mais lindo do mundo!" - davam as mãos, ele tocava-lhe a face para a ver, há muito os seus olhos não enxergavam devido ao avanço da idade, tinha ultrapassado os noventa anos. Naqueles momentos ele recordava o passado e falava-lhe também de coisa que os olhos da alma lhe deixavam ver.
Despediram-se em paz e com muito amor, ele partiu, uma partida à muito desejada, vivera três longos anos preso numa cama, uma das provas mais difíceis, ele fora a primeira alma livre que conhecera, sempre vivera em comunhão com a natureza, sempre a respeitara, ensinou-lhe a reconhecer os sinais, a guiar-se pelo sol, a perceber pelo olfacto a chegada das primeiras chuvas, a distinguir as plantas, a respeitar a força dos elementos, a avaliar pelas luas o tempo das colheitas e quando as fêmeas iriam parir, porque até com ela, ele acertou nas nove luas a contar da data da fecundação.
A chuva! O seu avô amava a chuva, dizia-lhe que: -"Chuva  é vida, a água é uma preciosidade!" - saia para o campo com ela a acariciar lhe o corpo. Ainda hoje é  um mistério, o que faria o seu avô sozinho à chuva sabe Deus onde...
Na sua partida, ela a chuva prestou-lhe a derradeira homenagem!

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