terça-feira, 27 de novembro de 2012

Delírio ou certeza?



na beira do abismo de si mesma,
o frio pendurou-se nas nuvens
- tinha a ponta do nariz fria!
a manhã fez-se cinzenta, inundada de ócio e soturna expectativa
derramando uma lenta e profunda tristeza
- tinha a ponta do nariz fria!
o mundo, esse continuava a fazer-se ouvir rouco dentro da cabeça...
na irregularidade do momento, obliquas cordas prateadas cairam sobre a terra salpicando-a como polvora
- tinha  a ponta do nariz fria!
o campo cobriu-se de atrevido verde, ficou repleto de sussurros e vidas diminutas
a chuva era o sangue da terra
- tinha a ponta do nariz fria!
disse para si mesma:
 " eu sou um feudo vacilante dentro da minha própria epopeia
- tenho a ponta do nariz fria!"

domingo, 14 de outubro de 2012

enquanto quase...


no fio do tempo...
incapaz, sento-me ao colo da saudade
fragmento (des)compassado no arrepio da luz
a boca é o som do vento semelhante a lagos acesos
na irregularidade do deserto...
gota de silêncio na dobra dos dedos cega as palavras
moldando as lágrimas das estrelas
abrindo flores no segredo da terra seca
para na passagem breve das horas
minha alma beijar,
no quase infinito movimento da vida.
verdade enquanto quase
abraço o invisível no (des)absurdo do movimento adormecido
que ilumina pedras gastas 
pela chuva de palavras vazias


domingo, 2 de setembro de 2012

Fragilidades....


Cresce uma onda no oceano intimo do meu ser...
Cresce uma onda feita espuma branca orvalhando a passagem das horas...fragmentando o tempo...dividindo a contagem ao segundo da existência...
Quisera eu poder alcançar a gota subtil que se prende no invisível das palavras soltas ao vento, entregues no infinito... agarro a onda que se desfaz na chegada à praia, ficando qual naufrago da caravela dos sonhos que se afundou no mar da saudade...
O mar de saudade onde o silêncio cai rasgado pela quase verdade... 
das quase palavras... numa quase ausência 
quase recortada no doce embalo da mão que rasga a penumbra num movimento de quase vida... onde o que  não digo é sonho de veludo macio das mãos que acariciam as mãos num movimento onde o quase dá lugar à certeza de que a fragilidade segue suavemente a força do Amor 

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Desejo de Infinito



- Gostas de estar aí?
- Gosto?...Não sei... Nunca tinha pensado nisso!
- Imagina por um momento só, como será tudo aquilo que ouvimos e não podemos ver...
- Tu és tão estranha! Porque te interessa ver o que ouves por cima de nós, se todas as folhas vivem presas nos ramos directamente apontadas para baixo? Sempre foi assim e sempre assim será.
- Eu quero ter asas, quero sair por aí... O mundo tem que ser maior do que aquilo que vemos por baixo de nós!
- Enlouqueces-te? Não sejas ridícula, o mundo é exactamente aquilo que os nossos olhos alcançam, não existe mais nada.
- Impossível... impossível! De onde vêm aqueles seres que têm pernas e se deslocam sem precisarem de vento?E aqueles outros que têm asas e poisam sobre a nossa mãe à procura de abrigo? Ah! Vês inteligência não sabes.
- Que me interessa isso, só sei que esses seres vêm e vão e isso basta-me, sempre foi assim.
- Isso nunca me bastará, a mim não, quero saber, quero ver, conhecer, sentir, viver!
- Psiu cala-te! Tu não vês que as outras folhas estão à escuta, ainda te vão considerar louca!
-Oh! Louca de desejo de ser arrancada pelo Sr. Vento, assim verdinha, ser levada por ele  maravilhar-me de tudo o que eu sei que existe.
- Deusa das Folhas de Todas as Árvores, por favor põe algum juízo na cabeça desta folha perdida!
-Hum! Perdida no sonho do grande, do todo, do infinito! Eu vou voar por aí depois conto-te tudo.
- Pára por favor, estás a assustar-me!
- Eu volto para te buscar, prometo. Agora preciso ir sozinha!... Sr. Vento estou pronta, leva-me nas tuas asas... 

domingo, 12 de agosto de 2012

Primeira claridade do dia...



Através da janela viu que ainda era muito cedo, aquela era a hora em a noite se despede suavemente dando lugar à primeira claridade do dia, esta anunciava ser pleno de sol. Abriu a janela, respirou o ar fresco da manhã, ao longe ainda pairava uma cortina de neblina sobre o mar, ficou à espera que os primeiros raios de sol despontassem... por fim surgiram como se rasgassem a linha do horizonte, tingindo a água de cores que se misturavam entre os vermelhos e os laranjas, desfez-se o silêncio da madrugada, tudo se encheu de luz e brilho, a vida acordou de mansinho, os ruídos matinais da natureza inundaram-lhe os sentidos... o som das ondas do mar que se desmanchavam lentamente na areia da praia, as gaivotas que em voos picados mergulhavam na imensidão do azul do mar trazendo no bico a primeira refeição do dia..
No beiral da janela poisou o seu amigo melro, veio dar-lhe os bons dias, subiu para a sua mão, encostou o bico na ponta do nariz como se lhe desse um beijo cheio de Amor, ela sorriu dizendo-lhe: "Bom dia meu anjo!", ele chilreou daquela maneira sublime que só o melro é capaz. Deixou-se ficar quieta rodeada de toda a beleza que seus olhos podiam alcançar, sentiu-se o ser mais rico do universo sabendo que seria mais um dia maravilhoso da sua vida! Formulou um desejo que era uma certeza, pois há muito que ela sabia da força da alquimia do Amor que tudo transforma... 

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Pequena... tão pequena...



Pequena... tão pequena... pequeníssima... estava lá, sempre lá esteve, marcando presença de uma forma quase imperceptível, estava lá... sempre... sempre lá, de forma irritante,  falsamente disponível, falsamente preocupada, falsamente verdadeira, fazendo nascer a duvida... duvida do que seria o quê... pequena, tão pequena... sempre lá... sombra desenhada na contra luz da certeza de sentires... sentires de contornos bem definidos... mas ela estava lá... sempre lá,  à espera, projectando na certeza, imagem disforme da duvida árida, fria do vazio da insustentável leveza do não ser daquilo que é....e aquilo que é, foi e será... pequena... tão pequena... pequeníssima... ela a tristeza transportada na bruma do tempo...

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Delírio em jeito de reflexão acerca da Eutanásia




Desde muito cedo me questionei de onde viemos, porque estamos aqui e para onde vamos.
Será que faz algum sentido todo um percurso de vida, com tropeços, com momentos felizes, errando uma vezes, acertando outras e depois assim, sem que ninguém consiga prever tudo termina? Morremos!!!
E a morte será plena e total? Deixo de existir?
Será a existência do ser humano mais insignificante do que qualquer outra forma de vida no universo, que depois da morte é como se nunca tivesse existido?
Então para que serve tudo isto? Para que serve considerarmo-nos os Seres mais inteligentes de toda a cadeia da evolução, de sermos capazes de pensar e fazer coisas que mais nenhum outro consegue, se tudo é tão efémero, e depois tudo se esquece com tanta facilidade como se não tivéssemos existido?
Procurei de muitas formas, durante muito tempo que estas perguntas pudessem ser respondidas por mim e para mim. Hoje, eu tenho as Minhas Certezas e conclui que, eu sou um Ser: Biológico, Psicológico, Social, Histórico e Espiritual.
Foi quando me dei conta que eu também tenho um eu Espiritual, que tudo ficou mais lógico para mim e passei a considerar a vida como uma pedra preciosa, que tem que ser preservada acima de qualquer outra coisa.


No ano de 2006, o meu pai teve uma falência cardíaca, que o levou a ficar em coma cerca de três dias. Foram os três dias mais angustiantes de toda a minha vida. Recordo quando recebi o telefonema de um amigo da família a me informar o que tinha acontecido, senti um frio tão profundo e tão intenso que demorou horas a passar. Depois foi dar a notícia ao meu irmão e rumamos ao hospital.
Uma vez no hospital era urgente saber notícias, (não sabermos nada é terrível e ao mesmo tempo reconfortante, na medida em que o pior é sempre pior do que se imagina), e lá fui eu com uma segurança que estava muito longe de sentir, procurei com o olhar por toda a sala das urgências e não o consegui reconhecer logo, talvez porque uma parte de mim estava em negação achando que quando chegasse ao hospital não seria o meu pai e sim um engano, mas não era engano, lá esta ele deitado, desacordado e entubado. Perguntei a uma enfermeira se ele me conseguia ouvir, ao que ela respondeu:
    Fale com o seu pai sim, porque existe muita gente que diz que os doentes em coma conseguem ouvir e a voz dos familiares pode ajudar e muito na recuperação!”
Quando ouvi aquilo percebi que hoje em dia as pessoas têm a mente muito mais aberta para entenderem que existe uma parte física em nós e uma parte espiritual que também necessita de ser tratada.
Foram três dias a conversar com o meu pai, fazendo a ponte para a realidade do dia a dia, por exemplo, que horas eram, que dia era, como estava o tempo, quem tinha perguntado por ele,quem o queria ver, enfim tudo o que se conversa com alguém que está doente. Ao fim de três intermináveis dias, o meu pai acordou, o primeiro sinal de regresso, foi-me dado por ele quando lhe disse que a minha mãe iria vê-lo no dia seguinte, ele sorriu, fez que sim com a cabeça, foi uma pequena grande vitória, começamos nesse dia uma lenta caminhada de volta à vida normal.
Superado este susto, passados mais ou menos três para quatro meses, adoece a minha mãe com um cancro no estômago, teve que fazer uma gastectomia total, e iniciar um ciclo de quimioterapia.
É por esta altura do início da quimioterapia, que eu tomo contacto efectivo com aquilo a que a maioria de nós sabe que existe, mas que ao mesmo tempo é-nos tão distante, porque nos falta o contacto real com a situação, o viver um dia atrás do outro, sem se saber como será o amanhã, mas tendo uma vontade férrea, de que amanhã seja um dia melhor porque esta doença é feita de pequeninas vitórias.
Aprendemos, logo na primeira consulta a ser positivos, a acreditar que se consegue vencer a doença, a não desanimarmos e o mais importante, a construirmos uma equipa: a família, o doente e a equipa médica.
Nos seis meses que se seguiram tive contacto com muitas situações, todas elas diferentes, porque não existe um doente com cancro igual ao outro, muito embora possa estar localizado no mesmo sítio. Existem também muitas formas de encarar a doença, mas eu tenho a certeza que a mais fácil e a melhor é olhá-la de frente e chamá-la pelo nome que tem: CANCRO.
Hoje a minha mãe encontra-se bem, e depois de tudo isto ter passado, renovei as minhas certezas, de que a Vida é um bem precioso, e ninguém tem o direito de tirá-la seja de que forma for.
Fala-se tanto na eutanásia, ou na morte assistida que em minha opinião esta não é senão um suicídio / assassínio.
Como é que se pode achar, que se sabe quanto tempo tem de vida determinada pessoa, se todos os dias temos relatos nos Hospitais, de doentes, que nenhum médico achava que fossem sobreviver e assim de repente dá-se o “milagre”?
Os cuidados paliativos e continuados, a consulta da dor e do sofrimento humano são a resposta mais razoável para dar alguma dignidade a todos os doentes que se encontram naquela situação limite.
Depois dou por mim a pensar, e se a eutanásia for praticada sem o consentimento do doente, só porque o médico acha que não há alternativa, e se o diagnóstico estiver errado? Isto levaria a mortes sem sentido.
Poderia também haver situações em que por razões de heranças os próprios familiares incentivassem a prática de eutanásia.
Não consigo deixar de pensar que acima de tudo o Ser Humano é extremamente egoísta e mau e se tiver o poder de decidir sobre a vida e a morte de alguém, mais tarde ou mais cedo vai acabar por usar erradamente esse poder, porque o Homem tem tendência para querer imitar Deus e muitas vezes não resiste “a brincar à divindade”.


segunda-feira, 23 de abril de 2012

Dualidade

Nada...
Nada no tudo da irrealidade da aparência do ser que se impõe...
Vazio...
Vazio na presença do ser que se torna invisível pelo nada, porque nada é nada mas pode ser tudo...
Ausência... 
Ausência no estar, no vazio da presença do nada no tudo...
Cada homem é sozinho na casa da humanidade, uma ilha de sentires, vulcões ativos, outros adormecidos... na consciência de si mesmo, faz a travessia na direção do auto conhecimento, usando do único recurso possível, o Amor por si mesmo... escrevendo nas páginas em em branco da sua existência, na simplicidade da aceitação das suas próprias fragilidades e dualidades, toda a sua potencialidade...
Nesta dualidade e na aceitação dela deixei de julgar-me pois que aos outros hà muito deixei de o fazer, aprendi a aceitar com muita tranquilidade aquilo que cada um é e aquilo que cada um é capaz de dar!
Com a certeza que os meus nadas serão tudo, os vazios serão preenchidos e as ausências deixarão de existir, sorrio para mim, na liberdade plena da aceitação que dentro do meu coração cabe todo o amor do universo!


domingo, 8 de abril de 2012

Uma mão cheia de nada...

Em silêncio saiu… fechou a porta… foi!
A lua marcava a sombra nas pedras da calçada, tudo aparentava estar no mesmo sitio, mas tudo tem um avesso, frágil como as memórias da paixão… memórias esquecidas de paixões vividas ao limite na ânsia do reencontro com o amor que julgava não acontecer, não lhe ser possível, mesmo assim sonhava com ele desde sempre…
Caminhou por ruas sem nome, chegou ao cais que se abria em águas mansas na nudez frágil como as asas de uma vida… ao longe por entre a neblina surgia a linha do horizonte em mil cores de possibilidades… deixou-se ficar frente a frente com a sua descoberta pessoal, completamente rendida pegou-lhe ao colo, abraçou-a na felicidade da consciência que amar daquela forma era uma dádiva a si mesma.
Nos dias que embrulhava o amor no manto da saudade ia ao seu encontro, fazendo parar o tempo… eram encontros com sabor a cumplicidade, sabor a momentos suspensos, a intimidade renovada no êxtase do amor que vibrava.
O riso, a lágrima misturaram-se na emoção incontrolada da memória no acordar da brisa quente, soprando-lhe no ouvido que tinha uma mão cheia de nada e o universo no coração.
Soube por fim que amava o amor de amar!
Em silêncio entrou… abriu a porta… descansou!

sábado, 3 de março de 2012

Era uma vez....

Era uma vez...
Era uma vez um lugar, tão pequeno que quase ninguém dava por ele... esse lugar tinha o nome de liberdade, liberdade de simplesmente ser livre, ele era tão perfeito, tão simples, estava ali à mão de toda a gente, mas ninguém o via, passavam por ele, não dando pela sua existência. Do alto da arrogância, que caracterizava algumas criaturas que por lá viviam, ele escutava, o que lhes ia no seu intimo, mas não interferia, nem se fazia notar, afinal ele era a liberdade, logo não se imporia nunca, a quem não estivesse preparado para a viver na sua plenitude.
Havia dias em que o lugar reflectia acerca da sua forma de ser, comentando para si mesmo: "Um dia quando repararem em mim, quando me olharem, me verem, vão compreender o quanto estão enganados!... Eu não sou o óbvio! Nada, nem ninguém o é!... Aquilo que chamais insanidade, nada mas é do que a perfeita harmonia dos sentires, quando alguém se descobre, se ama, conseguindo sem dar por isso transformar tudo em si, e à sua volta.
Estranho Eu? Talvez... Não vos deixais enganar na mesquinhice das aparências... "
Estas reflexões ele, o lugar, fazia por vezes, quando se sentia envolvido em alguma tristeza, por saber que é tão simples, tão fácil estando à mão de toda a gente, bastando para isso viver em verdade com aceitação de si mesmo, porque não existe impossíveis, e a vida não é uma coincidência, não existe coincidências nem acasos... o acaso é o pseudónimo de Deus quando ele não quer assinar...

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Viagem


As sombras da noite surgiam de mansinho, como uma cortina diáfana na forma de delicada carícia, cobrindo o mar de dunas a perder de vista, que se prolongava muito para além da linha do horizonte. Amava com todas as fibras do seu ser aquela obra de arte da criação divina, esculpida pela mão do vento que mudava de forma e tamanho para embelezar todos os dias o altar sagrado da natureza.
Nessas noites em que miríade de estrelas enxameava a treva profunda, como pó de diamantes, espalhado sobre o negro manto do firmamento, sentia-se completamente dentro dele, do seu deserto, fundiam-se num só, estabelecendo um diálogo mudo feito de entendimento milenar.
Deixava-se ficar em silêncio, o medo que lhe eriçava a pele fazendo questionar tudo, desaparecia dando lugar à certeza, à confiança de que tudo é um todo, que faz parte do mesmo!
Deixava de lado a razão e a lógica, naquele seu mundo de afectos que ninguém entendia, mas que também não seriam explicados, pois que a loucura persistente passa a ser sabedoria.
Finalmente aceitou que uma parte de si era espantosamente livre, alimentava-se tão somente da beleza e simplicidade contida nas pequenas coisas, aceitou que essa metade de si estava a crescer, absorvendo a outra metade que a encolhia, que a fazia viajar na tristeza da inquietação de sentir a insatisfação constante.
Então ouviu a voz terna dizer-lhe: “ confiança… mais um pouco… olha para o lado e vê, tudo fará sentido!”
Acordou repentinamente, sentou-se na cama, sorriu, dizendo:
- Deus, que saudade daquele lugar!
E depois!?...
Depois… colocou na mochila umas peças de roupa, agarrou no caderno de viagens, saiu de casa sem fazer barulho, dando início à maior aventura da sua vida… a viagem ao encontro dela própria!

domingo, 15 de janeiro de 2012

Quero Somente...

Quero na minha vida, a simplicidade de simplesmente ser!
Quero na minha vida, a simplicidade de ter em mim a emoção das lágrimas não partilhadas, por amar a beleza das pequenas coisas!
Quero na minha vida, a simplicidade de observar todos os dias o nascer do sol, maravilhando-me como se fosse a primeira vez!
Quero na minha vida, a simplicidade de escutar o cantar dos pássaros, encontrando nesses sons a mais bela melodia do universo! 
Quero na minha vida, a simplicidade de caminhar descalça na praia em dia de sueste, deixando toda a energia do mar revolto e do vento agreste, activar as células dos meu corpo, como se vida nova me fosse dada!
Quero na minha vida, a simplicidade de em cada por-do-sol, naquele momento mágico que antecede a noite, sentir em mim tudo o que foi... tudo o que é...
Quero na minha vida, a simplicidade do silêncio da intimidade partilhada na pureza das almas que percorreram um longo caminho, onde aprenderam a amar a serenidade de aceitar e aceitar-se!
Quero na minha vida, a simplicidade de amar o amor!

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Figueira ao luar




Fechar os olhos e ouvir…Ouvir a água do riacho numa alegre toada…Ouvir a dança do vento com as árvores… Ouvir os pássaros … Ouvir os lobos a uivar nas noites frias de Inverno…
Fechar os olhos… sentir… sentir-se…

Os anos haviam passado por ela, o rosto mostrava a beleza madura, acentuada pelas marcas do tempo. O olhar refletia o amor à vida, sentia-se realizada. Nada, nem ninguém a faria abandonar o jardim da sua casinha branca, perfeitamente enquadrada na paisagem da serra.
O jardim… Espelho daquele que fora seu companheiro, amante, amigo por mais de cinquenta anos.
Dentro de casa os livros, a musica. Fora, toda a vastidão da serra… E os sons… Os sons da natureza… O seu mundo de sentires. Nada mais precisava.

Naquela tarde, era véspera de finados. Sempre fora sua tradição fazer estrelas e queijo de figo. Apesar do seu homem, já não se encontrar fisicamente junto dela, cumpria o ritual em memória de tempos passados.
Sentada na varanda, balançou a cadeira, ao ritmo do bolero que ouvia através da janela aberta. No rosto desenhou-se um sorriso de felicidade, pintada de alguma nostalgia. Chegara-lhe ao nariz, o aroma doce das estrelas de figo, que torravam no velho forno de pão. Fechou os olhos e viajou no tempo.

Voltou aquele ano, quando fora uma jovem curtanheira que desceu a serra, para passar os meses de Julho e Agosto na apanha do figo.

Os dias foram passados com as outras raparigas a colher os figos, depois espalhados no almeixar para secar. Todas elas ansiavam pela noite, havia sempre bailarico nas eiras, após a ceia, divertiam-se esquecendo até do cansaço do dia de trabalho, ao sol abrasador do verão. Numa dessas noites quentes de lua cheia de Agosto, (quando os jovens casais se esgueiravam, para saciar os corpos famintos, debaixo das árvores, tendo por cama o restolho), eles viram-se pela primeira vez…! Ela, sentiu o sangue circular mais rápido, ficou com as pernas trémulas. Ele era diferente de todos os rapazes que alguma vez tinha visto… Sentiu as faces afogueadas, quando ele se aproximou, estendendo-lhe a mão, num convite irresistível. Os dedos tocaram-se, ele fixou-a dentro dos olhos, e… Ficaram presos desse olhar!
De mãos dadas seguiram, tendo por cúmplice a lua. Amaram-se debaixo da figueira centenária. Nessa e nas outras noites…
Terminada a época da apanha, ela voltou à aldeia na serra.
Passaram os meses…
No dia de finados desse mesmo ano, ele foi visitá-la, levando-lhe um cesto com estrelas e queijo de figo. Deram as mãos, sentaram-se lado a lado… selando assim o casamento, tendo por padrinhos os figos secos.

A cadeira de baloiço, parou suavemente. Envolta em sublime emoção nunca antes sentida percebeu que havia chegado a sua hora. Abriu os olhos…olhou em volta… sorriu…
Aquela mão tão amada estendeu-se novamente para ela… Fechou os olhos e foi… Partiu serena, tranquila, feliz. Afinal vivera de uma forma absoluta.